Pesquisar este blog

sábado, 29 de novembro de 2014

Acompanhava o relógio.tic, tac, tic, tac.tic.prulhurufpt. Um folhar de páginas pareceu sobrepor o tac. Foi daí que percebi que meu tempo se embaralhou. Foi só então que percebi as notícias. Logo fez sentido.  Naquele instante o sentido todo de tudo me incorporou. tac. passou.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Sobre óculos e visões

A campanha “Chega de Fiu Fiu” está fazendo um documentário a partir da filmagem através de microcâmeras escondidas em óculos. O objetivo é registrar o ato abusivo e confrontar o agressor, mostrando a ele que aquela atitude não agrada, não é bem-vinda.
De início parece quase ingênuo. Parece que a pessoa que faz as gracinhas, as cantadas, já sabe que aquilo é agressão e escolhe a atitude com o fim claro de incomodar. Portanto, avisá-lo parece bobagem. Mas não é.
Muitas das atitudes que reproduzimos sem pensar, sem empatia, afetam negativamente o outro sem que nos demos conta.  Nossas ações são cotidianamente agressivas e invasivas. Será que escolheríamos fazer isso se não fosse aceito, ou simplesmente se fôssemos mais empáticos?
Como o fulano vai saber o quanto é invasivo e agressivo, se viu isso o tempo todo desde que nasceu? Quem contou prá ele como é ser destratado desta forma, quem educou?
É claro que os pais e mães de meninas sempre se incomodam com isso, sempre se preocupam. Mas mesmo se preocupando, ou exatamente por isso, acabam por educar a menina sobre como se vestir, como se proteger, como se enfeiar, ou seja, também acreditam que a agressão é direcionada pela beleza, pela estética, pelo desejo. Só que não é.
A agressão é uma reação mecânica, tribal e social.  Não tem quase nada a ver com a pessoa do agressor e não tem nada a ver com a pessoa agredida. As frases são sempre as mesmas, repetidas conforme o repertório do fulano, para qualquer ser que seja identificado com o feminino objeto. 
Explicar ao agressor coloca a pessoa agredida no lugar de sujeito e sujeita o agressor a uma oportunidade para reflexão (sujeito vê outro sujeito refletido). Abre a porta para a empatia, portanto.
É claro que nada é tão simples (ou melhor, tem muita complexidade escondida no texto acima e nos objetivos do documentário). Há desdobramentos de sobra, nos aspectos legais, sociais e psicológicos envolvidos em cada situação vivida por cada par agressor-agredido. No entanto, o que mais me fez pensar é a ideia do uso de óculos para tentar corrigir a distorção da visão a que estamos submetidos.

Pareceu-me lindo e simbólico. Imaginei uma sociedade que tivesse óculos empáticos, que nos permitisse ver o outro, qualquer outro, a partir da visão dele mesmo. A expressão inglesa “walk on my shoes” fica pequena diante desta ideia. Mais que trilhar os mesmos caminhos, mais que reconhecer as dificuldades pelas quais outros passaram, o desafio empático é ver ou outro como ele vê a si mesmo e nos ver como o outro nos vê. É sermos sujeito onde o outro nos sujeita e não sujeitá-lo onde o objetamos. Mudar a sintaxe dos nossos verbos pode idealmente mudar a forma como nos relacionamos. Essa pode ser a evolução do uso politicamente correto das palavras. Vai ver que era isso que pensaram quando propuseram escolher outras palavras para designar as diferenças. Só que acredito que mudar o adjetivo não basta. É necessário transformar o sujeito através das suas ações (verbos) e as relações com seus objetos diretos ou indiretos.